Homilia do D. Henrique Soares da Costa, Domingo de Páscoa

Veja a homilia do D. Henrique Soares da Costa.

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O CREDO por São Tomas de Aquino

A Equipe Sancti Ecclesia está se dedicando a expôr esse trabalho, o Credo apostólico explicado parte por parte por São Tomas de Aquino, a cada dia um novo artigo.

Jesus, o novo Adão.

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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Jesus, o novo adão.



Deus no princípio da criação entregou a Adão e Eva o domínio das coisas criadas. Mas ao desobedecerem à ordem de Deus, de não comerem da “árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gn 2,17), eles fizeram com que o pecado entrasse na humanidade. São Paulo afirma: “Como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, assim a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram". (Rm 5,12). E todos pecaram, pois, como diz o Catecismo: “O gênero humano inteiro é Adão - como um só corpo de um só homem”. Portanto esta condição do pecado acabou sendo transmitida à toda a criação.

Com a Encarnação de Jesus a história da humanidade ganha um novo rumo. A entrega de Cristo na Cruz nos salva: “Onde abundou o pecado, superabundou a Graça” (Rm 5,20) e nos reconcilia com Deus, pela Misericórdia de Deus tornamo-nos seus filhos adotivos.

A Igreja reconhece na pessoa de Jesus um novo Adão, que, ao invés de desobedecer, obedeceu, ao invés de atender à tentação, resistiu a ela, se mostrando fiel e nos restaurando a vida. São Paulo nos mostra esta oposição entre morte e vida, pecado e salvação: “Assim como da falta de um só resultou a condenação de todos os homens, do mesmo modo, da obra de justiça de um só (a de Cristo), resultou para todos os homens justificação que traz a vida” (Rm 5,18).

A mancha pecado original, que é a privação da santidade e da justiça originais, é apagada por Deus no momento do Batismo “O último Adão tornou-se espírito, que dá a vida” (1 Cor 15,45b). Porém a inclinação para o mal permanece, necessitando o homem de estar ligado a Deus neste combate para vencer o mal.

Jesus, o novo e verdadeiro Adão, nos convida a receber esta Salvação e, na nossa liberdade, obedecermos ao chamado de Deus, que nos convida para uma vida nova e verdadeira.

Disse S. Pedro Crisólogo: “Primeiro Adão, segundo Adão: o primeiro começou, o segundo não acabará. Pois o segundo é verdadeiramente o primeiro, como ele mesmo disse: ‘Eu sou o Primeiro e o Último’” (Serm. 117).






Escrito por Mariana de Andrade.

VII Artigo - Donde há de vir julgar os vivos e os mortos

Julgar é função do rei: O rei, que está sentado no trono da justiça, pelo seu olhar dissipa todo o mal (Prov 20,8). Porque Cristo subiu ao céu e sentou-se à direita de Deus como Senhor de todos, evidentemente compete-lhe o juízo. Por isso, pela Regra da Fé Católica, confessamos que virá julgar os vivos e os mortos. Isto também, foi dito pelo Anjo: Este Jesus, que do meio de vós foi elevado aos céus, virá também assim como o vistes subir para os céus (Mt 1,11).

Devemos considerar nesse juízo três coisas: Primeiro, a sua forma; segundo, que ele deve ser temido, e, terceiro, como para ele devemos nos preparar.

No juízo devemos ainda distinguir três elementos componentes: quem é o juiz, quem deve ser julgado e qual a matéria do julgamento.

Cristo é o juiz, conforme se lê no Livro dos Atos: Ele que foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos (10,42). Pode este texto ser interpretado, ou chamando de mortos os pecadores e, de vivos, os que vivem retamente; ou designando vivos, por interpretação literal, os que agora vivem, e, mortos, todos os que morreram.

Ele é juiz não só enquanto Deus, mas também como homem, por três motivos:

Primeiro, porque é necessário, aos que vão ser julgados, verem o juiz. Como a Divindade é de tal modo deleitável que ninguém a pode ver sem se deleitar, e nenhum condenado poderia vê-la sem que não sentisse logo alegria, foi necessário que Cristo
aparecesse em forma só de homem, para que fosse visto por todos. Lê-se em S. João: Deu-lhe o poder de julgar, porque é o Filho do Homem (5,27).

Segundo, porque Ele mereceu este ofício como homem. Ele, enquanto homem, foi injustamente julgado e, por isso, Deus O fez juiz de todos Lê--se: A tua causa foi julgada como a de um ímpio; receberás o julgamento das causas (Jo 36,17).

Terceiro, para que os homens não mais desesperem, vendo-se julgados por um homem. Se somente Deus julgasse, os homens ficariam desesperados. devido ao temor. (Mas todos verão um homem julgar), pois se lê em São Lucas: Verão o Filho do Homem vindo na nuvem (21.27). Serão julgados os que existiram, os que existem e existirão, conforme ensina São Paulo: Convém que todos nós sejamos apresentados diante do tribunal de Cristo, para que cada um manifeste o que fez de bom e de mal enquanto estava neste corpo (2 Cor 5,10).

Há quatro diferenças, segundo São Gregório, entre os que devem ser julgados.

Estes, ou são bons, ou são maus.

Entre os maus, alguns serão condenados, mas não julgados, como os infiéis, cujas ações não serão discutidas, porque, como está escrito, o que não crer já está julgado (10 3,18).

Outros, porém, serão condenados e julgados, como os fiéis que morreram em estado de pecado mortal. Disse o Apóstolo: o salário do pecado é a morte (Rom 6,23). Estes não serão excluídos do julgamento por causa da fé que tiveram.

Entre os bons também haverá os que serão salvos sem o julgamento, os pobres de espírito por amor de Deus. Lê-se em São Mateus: vós que me seguistes, na regeneração, quando o Filho do Homem estiver sentado em seu trono majestoso, sentar-vos-eis também sobre doze tronos, julgando as doze tribos de Israel (19,28).


Estas palavras não se dirigem só aos discípulos, mas a todos os pobres de espírito. Caso assim não fosse, São Paulo que trabalhou mais que todos, não estaria nesse número. Este texto deve, portanto, ser aplicado a todos os que seguiram os Apóstolos, e aos varões apostólicos. Eis porque São Paulo escreve: Não sabeis que julgamos os Anjos? (1 Cor 6,3). Lê-se ainda em Isaías: O Senhor virá com seniores e com os príncipes do seu povo (Is 3,14).

Outros serão salvos e julgados, isto é, aqueles que morreram em estado de justificação. Bem que tivessem morrido neste estado, erraram, todavia, em alguma coisa durante a vida terrestre. Serão, por isso, julgados, mas receberão a salvação.

Todos serão julgados pelos atos bons e maus que praticaram. Lê-se na Escritura: Segue os caminhos do teu coração. .. mas fica certo de que Deus te levará ao julgamento por causa deles (Ecle 11,9); Deus citará no julgamento todas as tuas ações, até as ocultas, quer sejam boas, quer sejam más (EcIe 13,14). Serão julgados também pelas palavras inúteis: Toda palavra inútil pronunciada por alguém, este dará conta dela no dia do juízo (Mt 12,36).

Serão julgados, por fim, pelos pensamentos que tiveram. Lê-se no livro da Sabedoria: Os ímpios serão argüidos a respeito dos seus pensamentos (1,9).

Fica assim esclarecida qual a matéria do julgamento.

Por quatro motivos deve ser temido aquele juízo.

Primeiro, devido à sabedoria do juiz, porque ele conhece todas as coisas, os pensamentos. as palavras e as ações, já que, como se lê na Carta aos Hebreus, todas as coisas estão nuas e abertas aos seus olhos (4,13). Lê-se ainda na Escritura: Todos os caminhos dos homens estão diante dos seus olhos (Prov 16,1). - Conhece Ele as nossas palavras: Os seus ouvidos atentos ouvem tudo (Sab 1,10). Conhece os nossos pensamentos: O coração do homem é depravado e impenetrável. Quem o pode conhecer? Eu, o Senhor, penetro rios corações e sondo os rins, retribuo a cada um conforme o seu caminho e conforme os frutos dos seus pensamentos (Jer 17,9).

Haverá neste juízo também testemunhas infalíveis, isto é, as próprias 'consciências dos homens, segundo se lê em São Paulo: A consciência deles servirá de testemunho no dia em que o Senhor julgar as coisas ocultas dos homens, enquanto pelos pensamentos se acusam ou se defendem (Rom 2,15,16).

Segundo, devido ao poder do juiz, porque Ele é em si mesmo todo-poderoso. Lê-se: Eis que o Senhor virá com fortaleza (Is 11,10). É poderoso também sobre os outros, porque toda criatura estava com Ele: Lê-se: O universo inteiro combaterá com ele contra os insensatos (Sab 5,2); Ninguém há que possa livrar-se da vossa mão (Jo 10,7); e ainda: Se subo aos céus, vós ali estais; se desço aos infernos, estais lá também(SI 138,8).

Terceiro, devido à justiça inflexível do juiz. Agora é o tempo da misericórdia. Mas o tempo futuro é tempo só de justiça. Por isso, o tempo de agora é nosso; mas o tempo futuro será só de Deus. Lê-se: No tempo que eu determinar, farei justiça (SI 134,3). O varão furioso de ciúmes não lhe perdoará no dia da vingança, não atenderá às suas súplicas, nem receberá como satisfação presentes, por maiores que. sejam (Prov 6,34).

Quarto, devido à ira do juiz. Aparecerá aos jústos doce e deleitável, porque, conforme diz Isaías: Verão o rei na sua beleza (Is 33,17). Aos maus, porém, aparecerá tão irado e cruel, que eles dirão aos montes: Caí sobre nós, e escondei-nos da ira do cordeiro (Ap 6,16).

Esta ira em Deus não significa uma comoção de espírito, mas signnica o efeito da ira, a pena infligida aos pecados, isto é, a pena eterna. A propósito disso escreveu Orígenes: Como serão estreitos os caminhos no juízo! No fim estará o juiz irado.

Contra este temor devemos aplicar quatro remédios.

O primeiro remédio é a boa ação. Lê-se em São Paulo: Queres não temer a autoridade? Faze o bem e receberás dela o louvor (Rom 13,3).

O segundo, é a confissão dos pecados cometidos e a penitência feita por eles. Na confissão deve haver três coisas: a dor interior, a vergonha da confissão dos pecados e o rigor da satisfação por eles. São essas três coisas que redimem a pena eterna.

O terceiro remédio é a esmola que toma tudo puro, segundo as palavras do Senhor: Conquistai amigos com o dinheiro da iniqüidade, para que, quando cairdes, eles vos recebam nas lendas eternas (Lc 26,9). (41)

O quarto remédio é a caridade, quer dizer, o amor de Deus e do próximo, pois conforme a Escritura: A caridade cobre uma multidão de pecados (lPed 4,8; cir. Prov 10,12).


VI Artigo - Subiu aos céus e está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso.

Depois de se afirmar a Ressurreição de Cristo, convém crer na Sua Ascenção, pois Ele subiu para o céu após quarenta dias de ressuscitado. Eis porque se diz no Credo: "Subiu aos céus.". Devemos considerar as três características principais deste acontecimento, isto é, que ele foi sublime, racional e útil.

Foi sublime, porque Ele subiu para os céus.

Explica-se isto de três maneiras:

Primeiroporque Ele subiu acima de todos os céus corpóreos, conforme se lê em São Paulo: Subiu acima de todos os céus (Ef 4,10). Tal ascenção foi realizada pela primeira vez por Cristo, porque até então o corpo terreno estivera somente na terra, sendo o paraíso onde esteve Adão, situado também na terra.

Segundo porque subiu sobre todos os céus espirituais, isto é, acima das naturezas espirituais, como se lê também em São Paulo: Colocando (o Pai) Jesus à sua direita nos céus, sobre todo principado, Potestade, Virtude, Dominação e acima de todo nome que se pronuncia não só neste século, mas também nos futuros e tudo colocou sob os seus pés (Ef 1,20) .

Terceiro porque subiu até ao trono do Pai. Lê-se nas Escrituras: Eis que vinha sobre as nuvens do céu como um Filho de Homem; Ele dirigiu-se para o Ancião, e foi conduzido à sua presença (Dan 7,13). Lê-se também em São Marcos: E o Senhar Jesus, depois de lhes ter falado subiu ao céu, e sentou-se à direita de Deus (16,19). A expressão direita de Deus não deve ser entendida em sentido corporal, mas em sentido metafórico. Enquanto Deus, diz-se que Cristo está sentado à direita de Deus, porque é igual ao Pai; enquanto homem, diz-se que Cristo está sentado à direita do Pai, porque goza dos melhores bens. O diabo aspirou também semelhante elevação, como se lê em Isaías: Subirei ao céu, acima dos astros de Deus colocarei o meu trono; sentar-me-ei no Monte da Promessa, que está do lado do Aquilão; subirei acima da elevação das nuvens, serei semelhante ao Altíssimo (14,13). Mas a tal altura não se elevou senão Cristo, razão pela qual se diz no Credo: Subiu aas céus e está sentado à direita do Pai, o que é confirmado no Livro dos Salmos: Disse o Senhar ao meu Senhor, senta-te a minha direita (SI 109,1).

A Ascensão de Cristo foi racional por três motivos.

Primeiro, porque o céu era devido a Cristo por exigência da sua natureza. É, com efeito, natural que cada coisa retome à sua origem. Cristo tem sua origem em Deus, que está acima de todas as coisas, conforme Ele mesmo disse: Saí do Pai, e vim ao mundo; deixo agora o mundo e volta para o Pai (J o 16,18). Disse também: ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do Homem que está no céu (Jo 3,13),
Apesar de os Santos irem para o céu, todavia não o fazem como Cristo: porque Cristo o fez por seu próprio poder; os santos, porém, levados por Cristo. Lê-se no Livro dos Cânticos: Leva-me na Vossa seqüência (Cant 1,3). Pode-se explicar de outra maneira porque se diz que ninguém subiu ao céu a não ser Cristo: os Santos não sobem senão enquanto membros de Cristo; que é a cabeça da Igreja, conforme está escrito em São Mateus: Onde estiver o corpo, aí as águias se congregarão (24,28).


Em segundo lugar, a Ascensão de Cristo foi racional devido à sua vitória. Sabemos que Cristo veio ao mundo para lutar contra o diabo, e o venceu. Por isso mereceu ser exaltado sobre todas as coisas. Confirma-o o Apóstolo: Eu venci, e sentei-me com o Pai no seu trono (Ap 3,21).

A Ascensão de Cristo foi racional, em terceiro lugar, por causa da humildade de Cristo, que, sendo Deus, quis fazer-se homem; sendo Senhor, quis suportar a condição de escravo, fazendo-se obediente até à morte, segundo se lê na Carta aos Filipenses (2,1), descendo ainda até ao inferno. Por isso mereceu ser exaltado até ao céu e sentar-se à direita de Deus. A humildade é, com efeito, o caminho da exaltação, como se lê em São Lucas: Quem se humilha, será exaltado (14,11). Escreveu também São Paulo:
O que desceu do céu, este é o que subiu acima de todos os céus (Ef 4,10).

A Ascensão de Cristo foi além de sublime e racional, também útil.

Essa afirmação pode ser esclarecida em três dos seus aspectos.

O primeiro, refere-se ao fim da Ascensão, pois Cristo foi para o céu para nos conduzir até lá. Desconhecíamos o caminho, mas Ele no-lo ensinou, Lê-se: Subiu abrindo o caminho na frente deles (Mt 2,13). Subiu ao céu também para nos fazer seguros da posse do reino celeste, conforme se lê em São João:Vou preparar-vos o lugar (Jo 14,2).

O segundo, refere-se à segurança que a Ascensão nos trouxe, pois subiu aos céus ;para interceder por nós. Lê-se: Subiu por si mesmo aa Deus sempre vivo para interceder por nós(Heb 7,25). Lê-se também: Temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo (1 J o 21),

O terceiro, para atrair a si os nossos corações, segundo está escrito em São Mateus: Onde está o teu coração está o teu tesouro (6,21), e para que desprezemos as coisas temporais, como nos exorta o Apóstolo S. Paulo: Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alta, onde Cristo está sentado à direita de Deus; saboreai as coisas do alta e não as da terra (Col 3,1).

V Artigo - Desceu aos Infernos ao Terceiro Dia Ressurgiu dos Mortos.

Como dissemos acima, a morte de Cristo consistiu na separação da alma e do corpo, como na morte dos outros homens. Mas a divindade estava de tal modo ligada ao homem Cristo, que, apesar de a alma e o corpo terem se separado entre si, a própria Deidade sempre esteve unida ao corpo e à alma de um modo perfeitíssimo. Eis por que no sepulcro estava presente o Filho de Deus, o qual desceu também com a alma aos infernos. Por quatro razões Cristo desceu com a alma aos infernos: A primeira, para que suportasse toda a pena do pecado, e, assim, expiasse toda a culpa. A pena do pecado do homem não foi somente a morte do corpo, mas também uma punição na alma. Por que o pecado era também da alma, esta deveria ser punida pela privação da visão divina. Ora, não se tinha ainda apresentado uma satisfação para que esta privação fosse afastada. Por isso, antes do advento de Cristo, todos desciam aos infernos, até os Santos Patriarcas. Para Cristo carregar sobre Si toda a punição devida aos pecadores, quis não somente morrer, mas também descer com a alma aos infernos. Lê-se nos Salmos: Fui considerado como um homem caído na fossa; fiquei como um homem sem auxílio, livre no meio dos mortos (87, 5-6). Os outros aí estavam como escravos. Cristo, como um homem livre.

A segunda razão da descida de Cristo aos infernos, foi ir em socorro de todos os Seus amigos. Tinha ele os Seus amigos não só no mundo, mas também nos infernos. Manifestam-se alguns como amigos de Cristo, nisto: têm caridade. Muitos estavam nos infernos que para lá desceram possuindo caridade e fé no Esperado, como Abraão, Isaac, Jacó, Davi e muitos outros homens justos e perfeitos.

Como Cristo visitara os seus amigos no mundo, e os socorrera pela própria morte, quis também visitar aqueles amigos que estavam no inferno, e socorrê-los, indo também a eles. Lê-se no Livro do Eclesiástico: Penetrarei em todas as partes interiores da terra, e verei todos os que aí dormem, e iluminarei todos os que esperam no Senhor (24,25).

A terceira razão, foi para que Cristo tivesse uma vitória perfeita contra o diabo.

Alguém só tem um perfeito triunfo sobre outrem, não apenas quando o vence no campo de batalha, mas até quando ainda lhe invade a própria casa, e se apodera da sede do reino e do palácio.

Cristo já havia triunfado do diabo e já o vencera da cruz, pois se lê em São João: Agora é o julgamento do mundo, agora o príncipe deste mundo (isto é, o diabo) será lançado fora (Jo 12,31). Para que Cristo triunfasse sobre o diabo de um modo completo, quis tirar-lhe a sede do reino e prendê-lo na sua própria casa, que é o inferno.

Por isso aí desceu, tirou-lhe todos os bens, aprisionou-o e apoderou-se da sua presa. Lê-se: Despojando os principados e as sociedades, exibiu-os publicamente, triunfando deles na cruz (Col 2,15). Devemos considerar que como Cristo recebera o poder e a posse do céu e da terra, deveria também ter a posse do inferno, como se lê na Carta aos Filipenses: Ao nome de Jesus dobre-se todo joelho, dos que estão nos céus, na terra e nos infernos (Fil. 2,10). O próprio Jesus dissera: Em meu nome expulsarão os demônios. (Ma 16,17).

A quarta e última razão, foi para libertar os santos que estavam nos infernos.

Assim como Cristo quis submeter-se à morte para libertar os vivos, da morte, quis também descer aos infernos, para libertar os que aí se encontravam: Lê-se: Vós também (Senhor), pelo Sangue do vosso testamento, tírastes os Seus que estavam presos na fossa, onde não havia água .. (Zac 9,11). – O morte, serei a tua morte, ó inferno, serei para ti como uma mordida. (Os 13,14).

Bem que Cristo tivesse totalmente destruido a morte, não destruiu completamente o inferno, mas como que o mordeu, por que não libertou todos os que nele estavam, mas somente os que não tinham pecado mortal, nem o pecado original.

Deste, foram libertados, enquanto pessoas indivíduas, pela circuncisão, e, antes da instituição da circuncisão, as crianças privadas do uso da razão, pela fé dos pais fiéis; os adultos, pelos sacrifícios e pela fé no Cristo que esperavam. Estavam no inferno devido ao pecado original causado por Adão, do qual não poderiam ser libertados, enquanto pecado que era da natureza humana, senão por Cristo.

Deixou então os que aí desceram com pecado mortal e as crianças incircuncisas . Por isso disse ao descer ao inferno: Serei para ti como uma mordida (Os 13,14)

Do exposto, podemos tirar quatro ensinamentos para nossa instrução: Primeiro, uma firme esperança em Deus, pois quando o homem está em aflição, deve sempre esperar do auxílio divino e Nele confiar. Nada há de mais sério do que cair no inferno. Se portanto, Cristo libertou os que estavam nos infernos, cada um, se é de fato amigo de Deus, deve muito confiar para que Ele o liberte de qualquer angústia. Lê-se: Esta (isto é, a sabedoria) não abandonou o justo que foi vencido (. . .), desceu com ele na fossa, e na prisão o não abandonou (Sab 10,13-14). Como Deus auxilia aos seus servos de um modo todo especial, aquele que O serve deve estar sempre muito seguro. Lê-se: O que teme ao Senhor por nada trepidará e nada temerá por que Ele é a sua esperança (Ecl 39,16).

Segundo, devemos despertar em nós o temor, e de nós afastar presunção. Pois, apesar de Cristo ter suportado a paixão pelos pecadores, e ter descido aos infernos, não libertou a todos mas somente àqueles que estavam sem pecado mortal, como acima foi dito. Aqueles que morreram em pecado mortal, deixou-os abandonados. Por isso ninguém que desça lá com pecado mortal espere perdão. Mas ficarão no inferno o tempo em que os Santos Patriarcas estiverem no Paraíso, isto é, para toda a eternidade. Lê-se em São Mateus: Irão os malditos para o suplício eterno, os justos, porém, para o Paraíso (25,46).

Terceiro, devemos viver atentos, porque se Cristo desceu aos infernos para a nossa salvação, também nós devemos, com solicitude lá descer em espírito, meditando sobre as penas nele existentes, imitando o Santo Ezequias, que dizia: Irão os mal; para o suplício eterno, os justos, porém, para o Paraíso (Is 38,10). Desse modo, aquele que em vida, vai lá pela meditação, não descerá facilmente para o inferno na morte, porque tal medi¬tação o afasta do pecado. Ao vermos como os homens deste mundo evitam as más ações por temor das penas temporais", como não deveriam eles muito mais se resguardarem do pecado por causa das penas do inferno, que são muito mais longas, mais cruéis e mais numerosas? Eis porque lê-se nas Escrituras: Lembra-te dos teus últimos dias, e não pecarás para sempre (Ecle 7,40).

O quarto ensinamento tirado da descida de Cristo aos infernos, é nos ter Ele oferecido um exemplo de amor. Cristo desceu aos infernos para libertar os seus. Devemos também nós descer pela meditação, para auxiliar os nossos. Eles, por si mesmos, nada podem conseguir. Nós é que devemos ir em socorro dos que estão no purgatório. Se alguém não quisesse socorrer um ente querido que estivesse na prisão, como isso nos pareceria cruel! No entanto, seria muito mais cruel aquele que não viesse em socorro do amigo que está no purgatório, pois não há comparação entre as penas deste mundo e aquelas. Lê-se a esse respeito: Tende piedade de mim, tende piedade de mim, pelo menos vós, Ó meus amigos, porque a mão de Deus me feriu (Jo 19,21); - É santo e salutar o pensamento de orar pelos defuntos para que sejam livres dos pecados (Mc 19,46).

São auxiliados, conforme disse Agostinho, os que estão no purgatório, principalmente por três atos: pelas Missas, pelas orações e pelas esmolas. Gregório acrescenta um quarto: o jejum. Não deve causar que assim seja, porque também neste mundo o amigo pode satisfazer pelo amigo. A mesma coisa acontece com os que estão no purgatório.

É necessário que o homem conheça duas coisas: a glória de Deus e a pena do inferno.

Elevados pela glória de Deus, e aterrorizados pela pena do inferno, os homens cuidam melhor das suas ações e afastam-se do pecado. Mas é muitíssimo difícil para o homem conhecer essas duas coisas. Com relação à glória, lê-se: Quem poderá conhecer as coisas do céu? (Sab 9,16). Isso é realmente muito difícil para os habitantes da terra, porque se lê em São João: O que é da terra, fala das coisas da terra (Jo 3,31). Para os espirituais; porém, não o é, porque o que veio do céu, está acima de todos, conforme continua aquele texto. Por conseguinte, Deus desceu do céu e se encarnou, para nos ensinar as coisas do céu.

Com relação à pena do inferno, era também muito difícil conhecê-la. Lê-se no Livro da Sabedoria: Não se conhece quem tenha voltado dos infernos (Sab 2,1). Essa passagem da Escritura refere-se às pessoas dos ímpios. Mas agora isso não mais pode ser dito, porque, como Ele desceu do céu para ensinar as coisas do céu, também ressurgiu dos infernos para esclarecer-nos sobre as coisas do inferno.

É necessário, pois, que creiamos não apenas que Ele se fez homem e que morreu, bem como ressurgiu dos mortos. Por que esse motivo é professado no Credo: Ao terceiro dia res¬surgiu dos mortos. Lemos nos Evangelhos que muitos ressuscitaram dos mortos, como Lázaro, o filho da viúva e a filha do chefe da Sinagoga.

Mas a Ressurreição de Cristo difere daquelas e de outras, em quatro aspectos. Primeiro, devido à causa da ressurreição, porque os outros que ressuscitaram, não ressusitaram por próprio poder, mas pelo poder de Cristo ou das orações de algum santo. Cristo ressus¬citou por próprio poder, porque não era apenas homem, mas também Deus, e a divindade do Verbo jamais se separou nem da sua alma, nem do seu corpo. Por isso, o corpo reassumia a alma e a alma o corpo, quando queria. Lê-se: Tenho poder para entregar a minha alma, bem como para a reassumir (Jo 10,18). Bem que tenha sido morto, não o foi por fraqueza ou por necessidade, mas, espontaneamente. Isto é verdade, porque quando Cristo entregou o seu espírito, deu um grito. Os outros, porém, que morrem, não O podem dar, porque morrem por fraqueza. O centurião exclamou no Calvário: Ele era verdadeiramente o Filho de Deus (Mt 87,54).

Como Cristo por sua própria força entregou a alma, reassu¬miu-a também por própria força. Por isso é dito no Credo ressuscitou e não - foi ressuscitado, como se o fosse por outro. Lê-se nos Salmos: Dormi, caí em profundo sono e res¬surgi (3,6). Não há, porém, contradição entre este texto e o dos Atos dos Apóstolos: Este Jesus, ressuscitou-O Deus (Act 2,32) porque o Pai O ressuscitou, e o Filho também O ressuscitou, já que a virtude do Pai e a do Filho são a mesma virtude.

Difere, em segundo lugar, devido à vida que fora ressuscitada. Cristo ressuscitou para a vida gloriosa e incorruptível, con¬forme se lê na Carta aos Romanos: Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai (Cor 6,4). Os outros, para a mesma vida que antes possuíam, como se verificou em Lázaro e nos outros ressuscitados.
Difere ainda a Ressurreição dc Cristo da dos outros quanto à sua eficácia e quanto ao seu futuro, porque foi cm virtude daquela que todos ressuscitaram. Lê-se: Muitos corpos dos Santos que dormiam ressuscitaram (Mt 2,7,52). Cristo ressurgiu dos mortos, primícia dos que dormem (Cor 15,20). Vede bem que Cristo pela Paixão chegou à glória, conforme está escrito em São Lucas: Não foi conveniente que Cristo assim padecesse, para poder entrar na sua glória? (Is 24,26), para nos ensinar como podemos chegar à glória: Por muitas tributações devemos passar para entrar no reino de Deus (Mt 14,21).


A quarta diferença é relativa ao tempo, porque a ressurreição dos outros foi retardada para o fim dos tempos, a não ser que tenha sido concedida por privilégio, como a da Virgem Santa, e, conforme se crê piedosamente, a de São João Evangelista. Cristo, porém, ressuscitou ao terceiro dia porque a sua Ressurreição e a sua Morte realizaram-se para a nossa salvação, e Ele, portanto, só quis ressurgir quando fosse isso vantajoso para a nossa salvação. Ora, se ressuscitasse imediatamente após a morte, não se acreditaria que Ele tivesse morrido. Se fosse demasiadamente protelada a ressurreição, os discípulos não perseverariam na fé, e nenhuma utilidade teria a sua Paixão. Lê-se nos Salmos: Que utilidade haveria em ter eu derramado o sangue, se desci ao lugar da corrupção? (29,10). Ressuscitou no terceiro dia para que se acreditasse na sua morte e para que os discípulos não perdessem a fé.

Sobre o que acabamos de expor, podemos fazer quatro consi¬derações para nossa instrução. Primeiro, que devemos nos esforçar para ressurgirmos espiri¬tualmente da morte da alma, contraída pelo pecado, para a vida da justificação que se obtém pela penitência. Escreve o Apóstolo: Surge, tu que dormes, ressurge dos mor¬tos, e Cristo te iluminará (Ef 5,14). Esta é a primeira ressurreição da qual nos fala o Apocalipse: Feliz o que teve parte na primeira ressurreição (Ap 20,6).
Segundo, que não devemos protelar esta nossa ressurreição da morte, mas realizá-la já, porque Cristo ressuscitou no terceiro dia. Lê-se: Não tardes na conversão para o Senhor, e não a delon¬gues dia por dia (Ecle 5,8). Por que estás agravado pela fraqueza, não podes pensar nas coisas da salvação, e porque perdes parte de todos os bens que te são concedidos pela Igreja, incorres em muitos males, perseverando no pecado Como disse o Venerável Beda, o diabo, quanto mais tempo possui uma pessoa, tanto mais dificilmente a deixa

Terceiro, que devemos também ressurgir para a vida incorruptível, de modo que não mais morramos, isto é, que devemos perseverar no propósito de não mais pecar. Lê-se na Carta Romanos: Assim também vós vos considereis mortos para pecado: Vivendo para Deus em Cristo Jesus. Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo, obedecendo-lhes as concuspicências; não exibais os vossos membros como armas de maldade para o pecado, mas deveis vos exibir a vós mesmos para como vivos que saíram da morte (Rom 6,9; 11-13).

Quarto, que devemos ressurgir para uma vida nova e gloriosa evitando tudo o que antes nos foi ocasião e causa de morte e pecado. Lê-se na Carta aos Romanos: Como Cristo ressurge entre os mortos pela glória do Pai, também nós deve mos ¬andar na novidade de vida (Rom 5,4). Esta vida nova é da de justiça, que renova a alma e a conduz para a glória.

IV Artigo - Padeceu sob o Poder de Pôncio Pilatos, foi Crucificado, Morto e Sepultado.

Como é necessário ao cristão acreditar na Encarnação do Filho de Deus, é também necessário acreditar na sua Paixão e Morte, porque, como disse S. Gregório, em nada nos teria sido útil o seu nascimento, se não favorecesse à Redenção.Essa verdade, isto é, que Cristo morreu por nós, é de tal modo difícil, que a nossa inteligência pode apenas apreendê-Ia, mas de modo algum, por si mesma descobri-la.

Isso é confirmado pelas palavras do Apóstolo, Farei uma obra em vossos dias, que nela não podereis acreditar se alguém antes não a tiver revelado (At 13,41). Confirma-o também, o que falou o Profeta Habacuc: Será feita uma obra em vossos dias que ninguém acreditará quando for narrada (Hab 1,5).

A graça e o amor de Deus para conosco são tão grandes, que Ele fez por nós mais do que podemos compreender. Não se deve, porém, crer que, quando Cristo morreu por nós, a Divindade também morreu. NEle morreu a natureza humana; não morreu enquanto Deus, mas enquanto homem.

Três exemplos esclarecerão essa verdade.

Um deles, encontramos em nós mesmos. Sabe-se que quando um homem morre, na separação que há entre a alma e o corpo, a alma não morre, mas o corpo, a carne.
Assim também na morte de Cristo não morreu a divindade, mas a natureza humana.


Pode-se aqui fazer a seguinte objeção: - Se os judeus não mataram a divindade, evidentemente o pecado deles, matando Cristo, não foi maior do que se tivessem morto um outro homem.

Respondamos a essa objeção:

Se alguém sujasse as vestes com as quais o rei estava vestido, cometeria falta tão grande como se tivesse sujado o próprio rei. Assim também os judeus. Como não puderam matar Deus, matando a natureza humana assumida por Cristo, eles mereceram severa punição, como se tivessem assassinado a própria divindade.

Como dissemos acima, o Filho de Deus é o Verbo de Deus, e o Verbo de Deus Encarnado é como a palavra de Deus escrita em uma carta. Se alguém rasgasse a carta do rei, cometeria a mesma falta daquele que tivesse rasgado a palavra do rei.

Por isso os judeus pecaram tão gravemente como se tivessem morto o Verbo de Deus.

Podes ainda perguntar:

- Que necessidade havia de o Verbo de Deus padecer por nós?

- Grande necessidade, e por duas razões. Uma, porque foi remédio para os nossos pecados; outra, porque foi um exemplo para as nossas ações. Foi, sim, um remédio, porque contra todos os males que contraímos pelo pecado, encontramos o remédio na Paixão de Cristo.

Contraímos pelo pecado cinco males:

O primeiro, é a própria mancha do pecado.

Quando um homem peca, conspurca a sua alma, porque, como a virtude a embeleza, o pecado a enfeia. Lê-se em Baruc: Por que estás, ó Israel, na terra dos inimigos, e te contaminaste com os mortos? (3,10). Mas a Paixão de Cristo lavou esta mancha. Cristo, na sua Paixão, fez do seu sangue um banho para nele lavar os pecadores: Lavou-os do pecado no sangue (Ap 1,5).

- No Batismo a alma é lavada no Sangue de Cristo, por que este sacramento recebe do Sangue de Cristo a força regeneradora. Por isso, quando alguém batizado se macula pelo pecado, faz uma injúria a Cristo e o seu pecado é maior que o cometido antes do batismo. Lê-se na Carta aos Hebreus: O que desprezou a lei de Moisés, após ouvido o testemunho de dois ou três, deve morrer. Como não deve merecer maiores suplícios, aquele que pisou no Sangue do Filho de Deus e considerou impuro o Sangue da Aliança? (10,28-29).

O segundo mal que contraímos pelo pecado é nos tornarmos objeto da aversão de Deus.

Assim como quem é carnal ama a beleza da carne, Deus de modo semelhante ama a beleza espiritual, que é a beleza da alma. Quando, por conseguinte, a alma se deixa contaminar pelo mal do pecado, Deus fica ofendido e odeia o pecador. Lê-se no Livro da Sabedoria: Deus odeia o ímpio e a sua impiedade (14,9).

- Mas a Paixão de Cristo remove essas coisas, por que ela satisfez ao Pai ofendido pelo pecado, cuja satisfação não poderia vir do homem. A caridade e a obediência de Cristo foram maiores que o pecado e a desobediêneia do primeiro homem. Lê-se em S. Paulo: Sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte do seu Filho (Rom 5,10). (26)

O terceiro mal é a fraqueza.

O homem, pecando pela primeira vez, pensa que depois pode abster-se do pecado. Acontece, porém, o contrário: debilita-se pelo primeiro pecado e fica propenso para pecar mais. O pecado vai dominando cada vez mais o homem, e este, por si mesmo, coloca-se em tal estado que não pode mais se levantar. É como alguém que se lançou num poço. Só pode sair dele pela força divina. Depois que o homem pecou, a nossa natureza ficou debilitada, corrompida, e, por isso mesmo, ficou ele mais propenso para o pecado.

- Mas Cristo diminuiu essa fraqueza e corrupção, bem que não as tenha totalmente apagado. O homem foi fortalecido pela Paixão de Cristo e o pecado, enfraquecido, de sorte que este não mais o dominará. Pode, por este motivo, auxiliado pela graça divina, que é conferida pelos sacramentos, cuja eficácia deriva da Paixão de Cristo, esforçar-se para sair do pecado. Lê-se em S. Paulo: O nosso velho homem foi crucificado juntamente com Ele, para que fosse destruído o corpo do pecado (Rom 6,6). Antes da Paixão de Cristo, poucos havia sem pecado mortal. Mas, depois dela, muitos viveram e vivem sem pecado mortal.

O quarto mal é a obrigação que temos de cumprir a pena do pecado.

A justiça de Deus exige que o pecado seja punido, e a pena é medida pela culpa. Como a culpa do pecado é infinita, porque ele vai contra o bem infinito, Deus, cujo mandamento o pecador desprezou, também a pena devida ao pecado mortal é infinita.

- Mas Cristo pela sua Paixão livrou-nos dessa pena, assumindo-a Ele próprio. Confirma-o S. Pedro: Os nossos pecados (Lê, a pena do pecado) Ele carregou no seu corpo (1Ped2,24). Foi de tal modo exuberante a virtude da Paixão de Cristo, que, ela só, foi suficiente para expiar todos os pecados de todos os homens, mesmo que fossem em número de milhões. Eis o motivo pelo qual aquele que foi batizado, foi também purificado de todos os pecados. É também por esse motivo que os sacerdotes perdoam os pecados. Do mesmo modo, aquele cujo sofrimento mais se assemelha ao da Paixão de Cristo, consegue um maior perdão e merece maiores graças.

O quinto mal contraído pelo pecado foi nos exilarmos do reino do céu.

É natural que aqueles que ofendem o rei sejam obrigados a sair da pátria. O homem foi afastado do paraíso por causa do pecado: Adão imediatamente após o pecado foi expulso do paraíso, e sua porta lhe foi trancada.

- Mas Cristo, pela sua Paixão, abriu aquela porta e novamente chamou os exilados para o reino. Quando foi aberto o lado de Cristo, foi também a porta do paraíso aberta; quando o seu Sangue foi derramado, a mancha foi apagada, Deus foi aplacado, a fraqueza foi afastada, a pena foi expiada, e os exilados foram convocados para o reino. Por isso é que foi logo dito ao ladrão: Estarás hoje comigo no Paraíso (Lc 23,43). Observe-se que nesse momento não foi dito – outrora; que, também, não foi dito a outrem - nem a Adão, nem a Abraão, nem a Davi; foi dito, hoje, isto é, logo que a porta foi aberta, e o ladrão pediu e recebeu perdão. Lê-se na carta aos Hebreus: Confiantes na entrada no santuário pelo Sangue de Cristo (10,19).

Fica assim esclarecido como a Paixão de Cristo foi útil, enquanto remédio contra o pecado. Mas a sua utilidade não nos foi menor, enquanto ela nos serviu de exemplo. Como disse S. Agostinho: ”A Paixão de Cristo é suficiente para ser o modelo de toda a nossa
Vida
. Quem quer que queira ser perfeito na vida, nada mais é necessário fazer senão
desprezar o que Cristo desprezou na cruz, e desejar o que nela Ele desejou. Nenhum exemplo de virtude deixa de estar presente na cruz. Se nela buscas um exemplo de caridade, - ninguém tem maior caridade do que aquele que dá sua vida pelos amigos (Jo 15,13).

Ora, foi o que Cristo fez na cruz, Por isso, já que Cristo entregou a sua vida por nós, não
nos deve ser pesado suportar toda espécie de males por amor a Ele. O que retribuirei ao Senhor, por todas as coisas que Ele me deu? (SI 115,12). Se procuras na cruz um exemplo de paciência, nela encontrarás uma imensa paciência.

A paciência manifesta-se extraordinária de dois modos: ou quando alguém suporta grandes males pacientemente, ou quando suporta aquilo que poderia ser evitado e não quis evitar.

Cristo na cruz suportou grandes sofrimentos: O vós todos que passais pelo caminho, parai e vede se há dor igual à minha! (Je 1,17); Como a ovelha levada para o matadouro, e como o cordeiro silencioso na tosquia (1 Ped 2,23).

Cristo na Cruz suportou também os males que poderia ter evitado, mas não os evitou: julgais que não posso rogar a meu Pai e que Ele logo não me envie mais que doze legiões de Anjos? (Mt 26,53). Realmente, a paciência de Cristo na cruz foi imensa!

Corramos com paciência para o combate que nos espera " com os olhos fitos em Jesus, o autor da nossa fé, que a levará ao termo: Ele que, lhe tendo sido oferecida a alegria, suportou a cruz sem levar em consideração a sua humilhação" (Heb 36,17).

Se desejares ver na cruz um exemplo de humildade, basta-te olhar para o crucifixo. Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer: A vossa causa, Senhor, foi julgada como a de um ímpio (Jo 36,17). Sim, de um ímpio, porque disseram: Condenêmo-lo a uma morte muito vergonhosa (Sab 2,20). O Senhor quis morrer pelo seu servo, e Aquele que dá a vida aos Anjos, pelo homem: Fez-se obediente até à morte (Fil 2,8).

Se queres na cruz um exemplo de obediência, segue Aquele que se fez obediente ao Pai, até à morte: Assim como pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecados; também pela obediência de um só homem, muitos se tornaram justos (Rom 5,19).

Se na cruz estás procurando um exemplo de desprezo das coisas terrenas, segue Aquele que é o Rei e o Senhor dos Senhores, no qual estão os tesouros da sabedoria, mas que na cruz aparece nu, ridicularizado, escarrado, flagelado, coroado de espinhos, na sede saciado com fel e vinagre, e morto. Não te deves apegar às vestes e às riquezas, porque dividiram entre si as minhas vestes (SI 29,19); nem às honras, porque Eu suportei as zombarias e os açoites; nem às dignidades, porque puseram em minha cabeça uma coroa de espinhos que trançaram; nem às delícias, porque na minha sede deram-me vinagre para beber (SI 68,22).

Comentando este texto da Carta aos Hebreus - Que, apesar de lhe oferecerem alegria, suportou a cruz, desprezando a humilhação dela (12,2) -, Agostinho nos diz: O homem, Cristo lesus, desprezou todos os bens terrenos, para mostrar que devem ser desprezados.

III Artigo: Foi concebido do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria.

Não é somente necessário ao cristão acreditar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, como acima mostramos, mas também convém crer na Sua Encarnação. Por isso, o Bem-aventurado João, após ter falado muitas coisas elevadas e de difícil compreensão, logo a seguir nos insinua a Sua Encarnação, quando diz: E o Verbo se fez carne (Jo 1,14).

Para que possamos aprender algo dessa verdade, darei dois exemplos:

Sabe-se que nada é tão semelhante ao Filho de Deus como a palavra concebida em nosso interior, mas não pronunciada exteriormente. Ninguém conhece a palavra enquanto está no interior do homem, a não ser ele, que a concebeu. Mas logo que é proferida exteriormente, torna-se conhecida. Assim o Verbo de Deus não era conhecido senão pelo Pai, enquanto estava no seio do Pai. Mas logo que se revestiu da carne, como palavra concebida no interior, pela voz, tornou-se manifesto e conhecido. Lê-se na Escritura: Depois disso foi visto na terra, e conviveu com os homens (Bar 3,38).

Vejamos o segundo exemplo: A palavra, pronunciada exteriormente, é ouvida, mas não é vista, nem se pode nela tocar. Escrita, porém, em uma folha, pode ser vista e tocada. Assim também o Verbo de Deus tornou-se visível e palpável, quando foi, de certo modo, escrito em nossa carne. Ora, quando numa mensagem estão escritas as palavras do rei, ela também é chamada de palavra do rei. Do mesmo modo, o homem a quem está unido o Verbo de Deus numa só pessoa, deve ser chamado: Filho de Deus. Lê-se em Isaías: Toma o grande livro e escreve nele com a pena de um homem (Is 8,1).

Declararam também os Apóstolos: Que foi concebido do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria.

Com relação a este artigo do Credo, muitos caíram em erros. Por isso os Santos Padres, em outro Símbolo, o de Nicéia acrescentaram muitos esclarecimentos que nos permitem agora ver como esses erros foram destruídos.

Origenes afirmou que Cristo nasceu e que veio a este mundo para salvar os homens e também o demônio. Disse ainda que todos os demônios seriam salvos no fim do mundo. Afirmar tal coisa, porém, é ir contra a Sagrada Escritura, pois se lê no Evangelho de S. Mateus: Afastai-vos de mim, malditos, e ide para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e para os seus anjos (Mt 25,41). Por essa razão, foi acrescentado no Símbolo: Que desceu dos céus para nós, homens (não se diz: para os demônios) e para a nossa salvação. Essas palavras evidenciam, ainda mais, o amor de Deus para conosco.

Fotino, não obstante ter aceito que Cristo nasceu da Bem-aventurada Maria Virgem, afirmou que Ele era um simples homem, que, por ter vivido bem e ter feito a vontade de Deus, mereceu ser considerado Filho de Deus, como o são os ou santos. Contra essa afirmação, lê-se na Escritura: Desci do céu, não para fazer a Minha, mas a vontade de quem me enviou (Jo 6,38). Ora, é evidente que não teria descido do céu, se aí não estivesse; e, se fosse um simples homem, não poderia estado no céu. Para afastar esse erro, foi acrescentado: desceu dos céus. Manés ensinava que Cristo foi sempre Filho de Deus e que desceu do céu, mas que não possuía verdadeira carne, pois que esta era apenas aparente. Isso é falso. Ora, não convinha ao Mestre da verdade mostrar-se com alguma falsidade. Por isso, como apareceu em verdadeira carne, devia tambéin possuí-Ia. Lê-se no Evangelho de S. Lucas: Palpai e vede, porque o Espírito não tem carne nem ossos, como me vedes possuir (Le 24,39). Para afastar tal erro, os Padres acrescentaram: E se encarnou.

Ebion, que era judeu, aceitava ele que Cristo tivesse nascido da Bem-aventurada Maria, mas de uma união carnal, e de sêmen humano. isso, porém, é falso, porque o Anjo disse: O que nascerá dela, é obra do Espírito Santo (Mt 1,20). Para afastar esse erro, os Padres acrescentaram: Do Espirito Santo. Valentino aceitava que Cristo tivesse sido concebido pelo Espírito Santo, mas também ensinava que Cristo trouxera um corpo celeste e o depositara na Bem-aventurada Virgem, e que este corpo era o de Cristo. Por esse motivo, dizia, a Bem-aventurada Virgem nada fizera senão ter-se dado como receptáculo daquele corpo, e que este passava por ela, como por um aqueduto. Mas tal afirmação é falsa, porquanto o Anjo disse: O santo que de ti nascer, será chamado Filho de Deus (Lc 1,35). Do mesmo modo, o Apóstolo: Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho feito de mulher(Gál 4,4). Eis porque os Padres acrescentaram no Símbolo: Nasceu da Virgem Maria. Ario e Apolinário afirmaram que Cristo era o Verbo de Deus e que nasceu da Virgem Maria, mas que não possuía alma, estando, em lugar desta, a divindade. Mas isso é contra Escritura, onde se encontram estas palavras de Cristo: ora, a minha alma está perturbada (Mt 26,38). Para refutar o erro de ambos, os Santos Padres acrescentaram Símbolo: E fez-se homem. Ora, o homem é constituído de alma e corpo. Por conseguinte, Ele possuiu tudo o que o em pode possuir, exceto o pecado.

Pela expressão - fez-se homem - são destruídos todos os erros acima enumerados, e todos os que possam surgir. Foi estruído, por essa expressão, principalmente o erro de Eutíquio que ensinou ter havido em Cristo uma mistura, isto é, que havia uma só natureza em Cristo, oriunda da divina e da humana, de modo que Cristo não era nem simplesmente Deus, nem simplesmente homem. Tal afirmação é falsa, porque, se não fosse falsa, Cristo não seria homem como fora definido: fez-se homem.

É destruído também o erro de Nestório que afirmou que o Filho de Deus uniu-se ao homem só por inabitação. É falsa também essa doutrina, porque então não estaria escrito apenas homem, mas no homem. O Apóstolo declara que Cristo foi homem: Foi reconhecido, conforme se apresentou, como homem (Fil 2,7). Lê-se também em S. João: Por que me quereis matar, eu, um homem, que vos disse a verdade que ouvi de Deus? [J o 8,40).

Dessa exposição sobre o 3.° artigo do Credo, podemos tirar algumas conclusões práticas para nossa instrução:Em primeiro lugar, para confirmação da nossa fé:

Se alguém falasse de uma terra longínqua, na qual nunca estivera, não seria tão bem aceita a sua palavra como o seria, se a conhecesse. Antes da vinda de Cristo, os Patriarcas, os Profetas e João Batista falaram algumas verdades a respeito de Deus. Os homens, porém, não acreditaram nelas como acreditaram em Cristo, que esteve com Deus, e, mais do que isso, constituía um só ser com Ele. Eis porque a nossa fé foi muito mais confirmada pelas verdades transmitidas por Cristo. Lê-se em São João: Ninguém jamais viu a Deus. O Filho Unigênito, que está no seio do Pai, nos revelou (Jo 1,18).

Muitos mistérios da fé, que antes estavam velados, nos foram revelados após o advento de Cristo.

Em segundo lugar, para elevação da nossa esperança.

Sabemos que o Filho de Deus, não sem elevado motivo, veio a nós, assumindo a nossa carne, mas para grande utilidade nossa. Fez, para consegui-la, um certo comércio: assumiu um corpo animado, e dignou-se nascer da Virgem, para nos entregar a Sua divindade; fez-se homem, para fazer o homem Deus. Lê-se em S. Paulo: Por quem temos acesso pela fé nessa graça, na qual permanecemos, e nos gloriamos na esperança da glória dos filhos de Deus (Rom 5,2).

Em terceiro lugar, para que a nossa caridade seja mais fervorosa.

Nenhum indício é mais evidente da caridade divina que o de Deus, criador de todas as coisas, fazer-se criatura; o do Senhor nosso, fazer-se nosso irmão; o do Filho de Deus, fazer-se filho de homem. Lê-se em S. João. Tanto Deus amou o mundo, que lhe deu o Seu Filho (Jo 3,16). Pela consideração dessa verdade, deve ser reacendido, e de novo em nós afervorado, o nosso amor para com Deus.

Em quarto lugar, para conservação da pureza de nossa alma.

A nossa natureza foi a tal ponto enobrecida e exaltada pela união com Deus, que foi assumida para consociar-se com uma Pessoa Divina. Por esse motivo o Anjo, após a Encarnação, não permitiu que o Bem-aventurado João o adorasse, quando antes permitira que até os maiores Patriarcas o fizessem. O homem, pois, reconsiderando e atendendo à própria exaltação, deve perceber como se degrada e avilta a si e à própria natureza, pelo pecado. Por isso, escreve S. Pedro: Por quem nos concedeu as máximas e preciosas promessas, para que nos tornássemos consortes da natureza divina, fugindo da corrupção da concupiscência que existe no mundo (2 Ped 1,5).

Em quinto, lugar, a meditação dos mistérios da Encarnação aumenta em nós o desejo de nos aproximarmos de Cristo.

Se alguém, irmão de um rei, dele longe estivesse, naturalmentc desejaria aproximar-se dele, estar com ele, permanecer junto dele. Ora, sendo Cristo nosso irmão, devemos desejar estar com Ele e nos unirmos a Ele. Com relação a esse desejo, lê-se em S. Mateus: Onde quer que esteja o cadáver, aí se apresentarão os abutres (Mt 24,28). S. Paulo desejava dissolver-se para estar com Cristo: esse desejo cresce também em nós pela consideração do mistério da Encarnação

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